sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O espremedor de girinos

Ah, aquele barulhinho. Nada o satisfazia mais que aquilo. Sentir a vida se esvaindo da outra existência, estar seguro, estar no controle. Luan era feliz. Era?

Aquilo vinha desde sua adolescência. Ficava horas a fio sentado observando o movimento dos girinos nos riachos de sua cidadezinha do interior. Seus pés imersos na água gelada sentiam as vibrações que os serezinhos faziam ao se mover. Tão pequeninos, frágeis, seguindo a fé em um "caminho", que levaria a outro que traria mais fé, e dúvidas, dizia ele para si mesmo. Quase que automaticamente se esgueirou para mais perto dos girinos, com sua mão direita rapidamente capturou um e o levou para fora d'água. Percebeu sua fragilidade na superfície, como agonizava pedindo para voltar para a água. Espremeu-o instantes depois, sentindo-se muito satisfeito.

Hoje, na chamada metade da vida, se sentia mais que satisfeito. O prazer tomava conta de sua face. Agora seus girinos eram maiorzinhos, mas tão fáceis de apagar quanto os pequenos. Morava agora na cidade grande, na cobertura de um prédio metido a besta do centro. Sempre muito educado com as pessoas, sempre sorrindo para elas, mas recluso, e sua "educação" para com elas sempre deixava um quê de estranheza, as pessoas não se sentiam confortáveis em sua presença.

Estava na hora. Horas: 03:43, mas não estas, era hora de repetir seu ritual. Seu dever para consigo. Na mão direita enluvada em veludo, uma Colt .38 bico fino. Amarrada à cintura, uma machete precisamente afiada. Roupas discretíssimas. Como se fosse a primeira vez, seguiu seu caminho em seu carro esguio para a igreja que tinha começado a frequentar há duas semanas. De madrugada ela ficava ameaçadoramente silenciosa,  exceto pelos murmúrios das rezas da madre encarregada de vigiar o interior da igreja nesse horário.

Fácil, rápido, prático, nenhum problema teria. Era uma senhora por volta dos 63 anos envolta em uma "fantasia de pinguim" e munida apenas de um terço. Subindo as escadarias internas da igreja, os murmúrios se tornavam palavras claras do que parecia ser parte do "pai nosso". Ela estava ajoelhada em frente à cruz pregada na parede do quarto branquíssimo e oranizado, de costas para a porta. Retirou a Colt do coldre e a apontou para a cabeça da madre. Apertou o gatilho. Desviou o tiro um segundo antes de atirar. Se surpreendeu consigo mesmo. Por que desviara na hora H?! A freira, ao perceber o furo na parede, não se assustou, estranhamente agiu com naturalidade, como se já esperasse por aquilo. A madre iniciou seu sermão manjado, seu discurso sobre fé, esperança, fraternidade e tudo o mais. Luan manteve a arma apontada para ela o tempo inteiro. Mas algo dentro dele não estava certo.

Foi então que a sirene infinita tocou. Os vários passos de talvez uns cinco pares de pés subindo as escadas deixaram sua mente atordoada. Ficou paralisado. Chegaram os cinco oficiais de polícia por trás dele com pistolas apontando para seu corpo. Não ouvia nada que eles falavam. Devia ser alguma coisa como "abaixe a arma e mantenha a calma" ou algo similar. Se virou para eles. Encarou a velha madre uma última vez. Pensou: "Meu Deus." Apontou para sua cabeça e disparou. Era mais um girino.

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